53. Paulo Freire e Gramsci
53. Paulo Freire e Gramsci

 

Educação em Gramsci e Paulo Freire 

Ainda sob a orientação de Bárbara Freitag, vamos entender um pouco das idéias de Gramsci. No século 20, influenciada pelo marxismo, a filosofia discute a realidade social. Como vimos na economia da educação, todos devem trabalhar para que a sociedade tenha um funcionamento adequado. É assim que, somada ao capitalismo, a educação passa a ser definida, através dos planejamentos, a partir dos fatores econômicos. Em contra partida, atualmente tem-se buscado, na educação, retomar uma visão mais humanística, incluindo no currículo educacional disciplinas como a sociologia e a filosofia. Mas ainda existem muitos paradoxos – haja vista que o mercado visa lucro e a manutenção dos clientes consumidores, através das empresas. Até nas escolas vemos essa relação, principalmente as instituições privadas de ensino que se esforçam para vender seu produto aos clientes. Neste sentido, a educação vira mercadoria e pode ser vendida de qualquer forma com custos variados. Por outro lado, criam-se leis para aumentar a carga horária do ensino, como a ementa constitucional que, aqui no Brasil, irá ser aprovada para aumentar o tempo de cada aula de 50 para 60 minutos. Diante dessa realidade é imprescindível nos indagar – será que mais tempo em sala de aula significa aumento de aprendizagem?. Importa saber qual a ideologia ou interesse que se encontra latente nas decisões governamentais.


No texto da Bárbara Freitag três autores, Artusser, Paulantzas e Establet, dizem que a educação acaba por reproduzir as ideologias dominantes no sentido social, cultural e material. Todos esses autores ligados à sociologia da educação falam do aparelho ideológico do Estado. A escola é, por assim dizer, um [talvez o principal] dos aparelhos ideológicos do Estado. Sua função é reproduzir e justificar as ideologias dominantes, ou seja, a maneira capitalista de se pensar a realidade, inclusive as pessoas que são preparadas, via educação, para justificarem e aceitarem esse modo de produção.


Como se percebe, Artusser, Paulantzas e Establet têm enorme influência do marxismo, assim como Gramsci que identifica a classe dominante – que possui a hegemonia do poder, por comportar a sociedade política e a civil – e a subalterna, que é dominada pela primeira. Uma exerce poder sobre a outra, mas no caso da classe dominante, para se manter no poder, Gramsci diz que existe uma interação entre a sociedade civil e a política. Ambas se revezam e fazem trocas para que seus membros exerçam o poder [político]. Segundo esse autor, tanto a classe dominante quanto a dominada possuem intelectuais que as pensam. No primeiro caso, os intelectuais constroem ideologias aparentemente válidas, por ser filosófica e construída propositalmente. Já na classe subalterna existem intelectuais mais populares que constroem um pensamento [contra ideologia] mais fragmentado. Eles pensam valores que estão mais próximo do povão. Essa contra-ideologia é difundida também via escola. É por isso que, dadas as considerações que fizemos, podemos dizer que a escola é uma via de duas mãos – porque serve tanto para transmitir a ideologia dominante, quanto para propor uma contra-ideologia, dotada de valores, saberes e reivindicações mais populares. Neste caso, são os intelectuais orgânicos [educadores, escritores e lideres popular] que transmitem, via escola essas contra-ideologias.


Falemos um pouco da pedagogia de Paulo Freire.

Vimos que a educação seja ela qual for, passa sempre uma ideologia. Ela oferece sempre uma mão de obra específica para qualquer uma das classes a quem a educação favoreça. O processo educacional também parece estabelecer certas esferas sociais, onde fica evidente a diferença entre os mais ricos e pobres. Não obstante as contribuições dos teóricos mais tendentes à esquerda, de modo geral e do ponto de vista prático, a educação faz sempre uma manutenção social, cultural e ideológica do capitalismo.


No filme sociedade dos poetas mortos vemos isso claramente – há dois tipos de escolas que têmfinalidades bem claras. Uma educa a elite; a outra é mais popular e democrática. Se analisarmos seriamente veremos que hoje essa realidade não mudou muito [tendo em vista que já fazem alguns anos que o referido filme foi produzido]. A escola continua formando as pessoas para desempenharem alguma atividade/função econômica na sociedade.

Gramsci, como vimos, mostra como a classe opressora – com seu aparato ideológico, político e civil – faz com que os mais oprimidos não consigam ascender ao poder. Aprendemos também que a classe dominante passa sua ideologia via-escola. Mas, Gramsci também destaca, quando fala do intelectual orgânico da classe dominante ou não, que os lideres das classes trabalham com idéias e elaboram toda uma ideologia ou contra-ideologia para que o povo siga.


De certa maneira, também Paulo Freire – olhando para as idéias gramiscianas – propõe também uma atuação do intelectual orgânico, encarnado na figura do educador/professor, que deve se esforçar para fazer com que o povo tome consciência de sua realidade e chegue ao poder. É por esse motivo que o educador, para Freire, deve ter [e despertar nos outros] uma consciência crítica e, como intelectual orgânico, deve utilizar a escola para difundir o discurso contra-ideológico.


Em verdade, a proposta de Paulo Freire é, pela educação, despertar a consciência crítica das pessoas. Seu método pedagógico é apropriado para adultos, que já possuem certa consciência da realidade e precisam descobrir-se críticos dela. Trata-se de uma pedagogia de alfabetização de adultos.


Paulo Freire tem muita influência do marxismo, da fenomenologia e do existencialismo – daí por que é necessário que o indivíduo tome consciência de sua realidade, já que ninguém nasce pronto. Toda pessoa é, como dizem os existencialistas, um projeto projetado [Heidegger] e a consciência só é alguma coisa em relação ao objeto [Hussel].

As idéias de Freire, que é formado em advocacia, tiveram repercussão mundial. A idéia central é encorajar as pessoas a ver a realidade de opressão que a cercam e possibilitar a tomada de consciência crítica afim de que seja viável o processo de libertação.


Educação bancária e libertadora – P. Freire.

Entre permanecer, porque desaparece, numa espécie de morrer para viver, e desaparecer pela e na imposição de sua presença, o educador bancário escolhe a segunda hipótese. Não pode entender que permanecer é buscar ser, com os outros. É com-viver, sim-patizar, nunca sobrepor-se. Em verdade, o educador bancário não percebe que somente na comunicação s vida humana tem sentido. Ele tem dificuldade em admitir que o pensar do educador verdadeiro somente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos. Esquece que a opressão – entendida, na opinião do Paulo Freire, como controle esmagador – nutre-se do amor à morte, não à vida. Desta maneira, a educação bancária serve ao sistema opressor e tenta desenvolver mecanismo para controlar o pensar e o agir, levando os homens a um ajustamento ao mundo já estabelecido. Numa palavra, a educação bancária inibe o poder de criar, de atuar e de inovar. Nela, o homem tem a ilusão de que atua, quando, em verdade, não faz mais do que submeter-se aos que atuam. Entre os oprimidos também encontramos este tipo de relação nas manifestações populistas, onde os oprimidos se identificam com os líderes carismáticos através de quem se sentem atuantes.


Não custa lembrar que, segundo Paulo Freire, as elites dominadoras desejam manter a ordem e a paz social – paz privada, é claro... Este eminente autor ainda sugere que a libertação autêntica consiste na humanização em processo, em movimento. Ela não é uma coisa que se deposita no homem, conforme nos parece propor a educação bancária. A libertação tem a ver com a práxis, que implica na ação e na reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo.


Neste sentido, a educação que se compromete verdadeiramente com a libertação não pode entender o homem com um ser vazio a quem o mundo encha de conteúdos. Ela deve entender o homem como um corpo consciente, e na consciência, como consciência intencionada ao mundo. Sendo assim, ao contrário da bancária, a educação problematizadora identifica o homem comoconsciência de. Neste processo educacional há uma superação da contradição educando-educador, enquanto, como vimos, na educação bancária há um esforço em manter esta contradição, negando aquilo que Freire chama de dialogicidade. Já a educação libertadora somente existe porque é dialógica. Neste tipo de educação o educador, enquanto educa, é educado pelo educando. Ambos tornam-se sujeitos do processo e há uma aprendizagem mútua. Como afirma Paulo Freire ‘já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo – os homens se educam em comunhão’. Em verdade, nesta proposta de educacional tanto educando, como educador, são investigadores críticos em diálogo um para com o outro.


Todavia, o papel do educador problematizador é proporcionar, com os educandos, as condições em que se dê à superação do conhecimento do nível da doxa pelo verdadeiro conhecimento, ologos. É pela significativa contribuição do educador e do educando que a educação libertadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica num constante ato de desvelamento da realidade, afim de que esta, cada vez mais, seja desalienada. Implica também na negação do homem como um ser abstrato, isolado, solto e desligado do mundo. A educação libertadora considera o homem em suas relações no e com o mundo/realidade onde está inserido. Numa perspectiva da fenomenologia, esta educação reconhece a existência de um ‘eu’no mundo. É a partir daí que podemos dizer que o mundo constituinte da consciência se torna mundo da consciência. Ademais, não há não há [no mundo] ‘eu’que se constitua sem um ‘não-eu’.


Na prática libertadora, na acepção de Freire, os educandos vão desenvolvendo seu poder de compreensão do mundo que lhes aparece, como uma realidade em transformação, em processo. Esta postura é o contrário da educação bancária que é imobilista e fixista, exatamente porque esta visão da educação não reconhece os homens como seres históricos. Já a educação problematizadora parte exatamente da noção de historicidade dos homens, reconhecendo-os como seres inacabados, inconclusos, in e com a realidade. Numa palavra, os homens estão sendo a todo tempo. Estas considerações sobre educação são importantes porque, como se sabe, ela [a educação] é algo tipicamente humano, portanto, está se refazendo continuamente.


Outra idéia pertinente é que a educação libertadora possui um caráter revolucionário. Ela propõe aos homens a situação como problema, desafio a ser enfrentado com coragem e ânimo, afim de que os homens deixem de lado a percepção mágica ou ingênua que têm da realidade. Tudo isso para que haja transformação, busca de superação da realidade opressora dada e despertar a consciência crítica das pessoas através da educação. Trata-se de uma tentativa de fazer com que os homens se tornem sujeitos do processo, sujeitos de suas vidas e histórias. A educação libertadora permite que o homem busque ser mais e, por esta razão, ela não pode realizar-se no isolamento, nem tampouco os homens deve viver num individualismo, mas na comunhão, na solidariedade entre todos os existentes. Convém salientar que o ser mais que se busque no individualismo conduz ao ter mais, ao egocentrismo. Isso não quer dizer que não precisamos ter nada para ser feliz. Ao contrário, o mínimo de recurso material é extremamente necessário para se viver bem. Em sentido amplo, para educação libertadora, importa que os homens lutem por sua emancipação.